Soraya Vidya
Poucos são os laços que resistem ao comunicarmos o que nos frustra numa relação sem retirarmos o afeto, nos opormos sem fechar o coração e sem temer que o outro aja da mesma forma.
A comunicação verdadeira significa não apenas falar e ouvir, mas consiste em criar abertura para que ambos se sintam emocionalmente próximos. E, para tal, é necessário sair da presunção do julgamento ou reagir de forma defensiva. O mais comum é que as pessoas tenham DR – “discutir relação”, como comumente falamos − em vez de comunicação madura. E muitas delas mostram resistência para o diálogo, de modo geral, em função da dificuldade. Porém, é impossível intimidade sem comunicação.
O desafio é dizer ao outro “o que você faz me dói, eu gostaria que você…”, sem precisar acusar ou responsabilizar o outro pela nossa dor, porque receber a energia da acusação é o que todos nós já conhecemos e que, imediatamente, deixa o corpo em alerta para se defender.
Se eu expresso aquilo que me machucou sem acusar o outro, apenas falando “dos meus sentimentos”, é mais provável que ambos sejam tocados nas suas vulnerabilidades. O outro pode até mesmo pedir perdão. Mas se estamos muito no jogo de acusação verbal não conseguimos nem receber ou aceitar o perdão.
É comum ficarmos defensivos quando somos muito feridos na infância, o que dificulta qualquer possibilidade de troca real na vida adulta. Muitas questões não resolvidas têm a ver com a comunicação bloqueada, que gera ainda mais ressentimentos. Por outro lado, dizer diretamente à pessoa sobre a dor – particularmente se nunca teve segurança para dizer isso antes − é muito curativo se ambos estão no espaço da vulnerabilidade.
Se olharmos para os conflitos − em nível pessoal ou global − vemos que eles surgem em decorrência da dificuldade de comunicação, na maioria das vezes de forma reativa e a partir de nossa criança ferida. Este é um problema real na sociedade e que acarreta muitos corações partidos, faz com que muitas pessoas se separem devido a palavras agressivas, aos muitos conflitos, à raiva, aos ressentimentos.
Se a vulnerabilidade existe apenas de um dos lados, por parte de só uma pessoa, a situação se torna mais difícil, mas mesmo assim a abertura de um pode sensibilizar o outro. Claro que é melhor quando o outro também está consciente, disposto a se abrir e falar honestamente a partir de um espaço mais sensível. Isto será muito mais potente, ambos irão crescer e ninguém se sentirá ameaçado.
Às vezes é necessário um mediador ou terapeuta para criar uma comunicação madura e que resolva o problema de um grupo ou do casal. Traumas passados podem estar sendo ativados e é necessário clarear isso. Geralmente, é mais sábio se interiorizar primeiro e depois se comunicar com o outro, quando se sentir mais centrado.
Fiz curso de Comunicação Não Violenta (CNV) e também um outro treinamento denominado Learning Loving, nos quais é muito abordada e praticada a comunicação madura. Este é um dos temas que abordamos no grupo de autoconhecimento “Relacionamento Consciente” que facilito junto com outro terapeuta. Para mim, esses ensinamentos foram essenciais, e me levaram a me comunicar de forma mais aberta, honesta e efetiva, mas estou ainda em aprendizado com esse tema na vida. Primeiramente, trata-se de um estilo de comunicação que diz em essência: “Eu ouço você! Você tem outra perspectiva que eu gostaria de considerar”.
Falando da minha experiência, mesmo não sendo fácil, observo que cada vez mais estou aperfeiçoando esse tipo de comunicação, na medida em que eu busco praticá-la diante dos conflitos e reflito depois como eu poderia ter feito melhor. Mas é especialmente difícil quando o outro vem com uma acusação verbal de forma reativa e insistente (mesmo que sutil), sem mostrar abertura para uma comunicação de forma mais vulnerável. Entendi que é também importante além de colocar limites em certas situações, validar minhas necessidades, as quais anteriormente eu não conseguia expressar por completo. A partir disto, algo em mim relaxa, me conecta com o estado de presença, pois não estou apenas sendo vulnerável, mas também atenta às minhas necessidades e limites.
É importante lembrar que atacar e criticar não é comunicar. É preciso criar empatia e falar mais da sua própria experiência. Isto ainda é desafiador para a maioria de nós. E o básico é falar sempre usando a palavra “eu” em vez de “você” ou “nós” ou “a gente”.
E caso sinta que errou, peça desculpa, reconheça a responsabilidade de sua parte. Evite jogar raiva em cima do outro. Às vezes acontece, é humano, especialmente se você se sentiu invadido; mas normalmente isto cria mais problemas, por vezes irreparáveis. Há situações, entretanto, em que é necessário colocar um limite, mas de uma forma que não machuque nem você, nem o outro.
É importante sempre se perguntar, desde o começo, “quem” está se expressando e comunicando: é a criança interior emocional ou a parte adulta, este espaço interior que resiste às frustrações e acolhe a si mesmo em primeiro lugar? A comunicação, sem dúvida, é fundamental, mas precisamos saber clara e precisamente qual parte em nós está falando e quem está escutando. Quando eu compartilho a partir de minha vulnerabilidade, o outro se abre; mas se eu falo a partir da minha defesa, agredindo e querendo ser superior, a pessoa se fecha.
E sempre vale se perguntar: “Como posso me conectar mais com o outro? Como é estar em contato comigo e ao mesmo tempo estar lá escutando? ” É um exercício de presença, de cultivar o espaço interior, sem dar conselhos ou querer mudar o outro, pois isto afasta a conexão, é uma outra estratégia para evitar ser vulnerável.
A seguir, listo cinco passos essenciais para uma comunicação madura:
*Criar o momento para este tipo de conversa. Perguntar se o outro tem espaço para conversar naquele momento. Caso contrário, a conversa precisa ser adiada. Pode ser que você ou ele (a) esteja com o sistema nervoso ativado, daí não há comunicação, melhor primeiro se centrar, porque às vezes no momento do conflito, ambos estão ativados na criança emocional e saem do centro.
*Ser específico naquilo que está difícil, pois há tantos aspectos delicados nas relações. Por exemplo, se for falar sobre a sexualidade (ritmo, gozo, conexão, etc.), você precisa ser específico, para não invalidar toda troca sexual entre vocês devido apenas a um aspecto. E assim é com todos os desafios: seja específico naquilo que incomoda, sem generalizar.
*Tomar a responsabilidade. Dizer como se sente… Evitar usar o “você”, a não ser para descrever a situação; mas, mesmo assim, o foco é como se sente, então é bom começar a frase usando “Eu me sinto”, seja ameaçado ou desvalorizado ou triste, ou qualquer outro sentimento, isto é, se permitir ser vulnerável. Por exemplo: “Eu não me senti visto quando você fez isso…” é diferente de “acusar que o outro não te dá valor ou não lhe deu atenção”. São formas bem distintas de se comunicar. Na primeira, você fala dos seus sentimentos; e na segunda, você julga o outro.
*Segurar as expectativas de que a conversa será efetiva. Isto é o mais difícil, pois mesmo com as melhores intenções, o outro pode não conseguir corresponder a um nível de profundidade e abertura na comunicação. Daí resta olhar dentro, ter resistência a frustrações e se perguntar: “Como posso criar amor, qual a minha parte nisto? ”.
*Escutar. Se estamos muito focados em nós mesmos, na “criança emocional”, não conseguimos escutar a outra pessoa. Em geral, fomos feridos no que diz respeito à escuta; pode ser que ninguém nos escutou ou não nos compreendeu no passado. É importante sentir o corpo − peito, barriga, respiração − enquanto fala e também enquanto escuta.
*Falar das suas necessidades, mas é preciso soltar as expectativas de que o outro atenda todas as nossas necessidades, sabendo que mesmo que eu as comunique, minha necessidade pode não ser entendida como eu gostaria, porque o outro está buscando dar o seu melhor, do modo que consegue. Mas ao expressá-las, se cria mais conexão com a outra pessoa e pode-se validar e clarificar o que é importante para você.
Comunicação madura é se dispor a sentir, partilhar a partir do espaço do coração − é preciso engolir um monte de orgulho, expondo de forma sensível, sem manipular. Partilhar as inseguranças também sem precisar se esconder do outro. É bonito ser honesto, mesmo compartilhando as fragilidades − nos torna mais humanos e autênticos; e nos ajuda a explorar espaços desconhecidos que nos transformam e criam real intimidade.
Sim, claro, é preciso estar em pé com o amor próprio, aquele que se sente por si mesmo, pela sua alma e pelo seu corpo, por dar e se dar a partir de um lugar interno compassivo. Se não houver amor a si mesmo, o orgulho vem disfarçado de vitimização, de “pobre de mim”. E, por final, nos ajuda lembrar que o outro também falha, também fere e se fere, também teme; também como você quer ser livre de toda essa dor, quer ser feliz e amar de verdade. Comunicar-se de forma madura é um passo essencial em direção à maturidade!