Soraya Vidya

“O sexo perdeu a sua origem sacra. O original senso de reverência pelo sexo foi ofuscado e se degenerou num pesadelo mecânico, transformando-o em uma sutil violência, no sentido exato da palavra. O sexo não é mais uma experiência amorosa, não é mais um veículo para o sagrado e nem é mais um ato meditativo. E por causa disto, a humanidade está continuamente caindo num abismo.” Osho

Muitas pessoas não estão cientes como a crescente indústria pornográfica com o advento da internet e outras tecnologias digitais vem modelando e limitando os comportamentos sexuais. A cada 39 minutos um vídeo pornográfico é gravado nos EUA, a cada segundo mais de 28 mil pessoas assistem à pornografia e há mais de 4 milhões de sites pornográficos no ar. A cultura pornográfica oferece uma versão plastificada do sexo, que é chata, carente de criatividade e desconectada da emoção e da intimidade. Pode levar ao vício, impotência, problemas psíquicos, separações e solidão.

Esse artigo se refere a pornografia mais usualmente consumida que é bem diferente de bons filmes eróticos, pois ela gera uma desensibilização no consumidor e isso têm empurrado o pornô para os extremos de um sexo violento. Hoje, a idade média de primeira visualização é de cerca de 11 anos para os meninos, e os estudos revelam que os homens jovens, que consomem mais pornô do que nunca, têm dificuldade em formar relacionamentos saudáveis.

Traumas irreversíveis nos atores

Não somente afeta o consumidor, mas principalmente os atores, que geralmente são usuários de drogas. É um negócio que revela a perversão do patriarcado: um bando de cafetões travestidos de empresários, os produtores são homens, os diretores são homens, os consumidores também na sua maioria são homens. As mulheres não passam de brinquedos sexuais subjugadas e humilhadas para divertir os homens, tendo que fingir que sentem prazer sendo violentadas. Além disso, 43% das pessoas traficadas no mundo são para a prostituição e produção de pornografia.

Donny Pauling, que trabalhou como produtor saiu do ramo em 2006 e conta que presenciou os males da pornografia nas mulheres que eram filmadas. “Eu recebia telefonemas de garotas chorando e me implorando para remover o conteúdo que tínhamos produzido delas, porque estava destruindo suas vidas.” O depoimento de Brittni, ex-atriz pornô, é apenas um dos milhares de testemunhos do inferno que é a indústria pornográfica: “Foram sete anos de tortura. Eu estava miserável, sozinha, caí nas drogas e no álcool e cheguei a tentar suicídio. Eu sabia que queria cair fora mas não sabia como sair”.

O resultado é um trauma irreversível com marcas psicológicas para sempre. E muitas mulheres são extremamente jovens; podemos refletir até que ponto uma menina de dezoito ou vinte anos tem experiência e discernimento suficiente para saber o que está fazendo.

Vício, dano psíquico e impotência nos usuários

A pornografia pode ser tão ou mais viciante que uma droga química, trata-se de um hábito negativo e pode causar impotência se praticado ao extremo por muito tempo. Um estudo australiano revela que 50% dos meninos entre 10-20 anos de idade são viciados em pornografia e que, pela idade de 20, uma grande porcentagem deles tornaram-se impotentes. O lobo frontal do cérebro não se desenvolve completamente até por volta dos 25 anos de idade, o que aumenta a vulnerabilidade das crianças e adolescentes a mudanças substanciais e definitivas na estrutura do cérebro. Como o cérebro se acostuma a grandes descargas de dopamina, o que antes gerava um prazer passa a se tornar indiferente e é substituída por melancolia, tédio e depressão. Pesquisas sugerem que a pornografia causa TDAH, depressão, ansiedade de desempenho e Transtorno Obsessivo Compulsivo. A força de vontade é corroída.

Há um efeito negativo no volume de matéria cinzenta no corpo estriado direito do cérebro, assim como a atividade do córtex pré-frontal, de acordo com os cientistas do Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano em Berlim. Esses efeitos poderiam incluir mudanças na plasticidade neuronal resultante de intensa estimulação no centro do prazer, de acordo com a Associação Médica Americana.

Violência sexual e solidão

Atualmente, uma geração de garotos está exposta a um tipo de pornografia cruel e violenta. E sabendo como imagens e conceitos afetam as pessoas, isso vai trazer uma profunda influência na sexualidade, comportamento e atitudes em relação às mulheres. A relação entre pornografia e violência de gênero é inegável, pois a visualização contínua de pornografia promove a legitimação da violência sexual e pode contribuir para o aumento dos abusos sexuais ou até mesmo de estupros.

Muitos viciados optam por abrir mão de seus cônjuges, em vez de abrir mão da pornografia. Há uma implícita pressão social de que as mulheres precisam se parecer com o arquétipo de uma atriz pornô: corpos esculturais, sexualmente insaciáveis e submissas à vontade de qualquer homem que queira fazer sexo com elas. Um cônjuge não consegue alcançar essa imagem falsa e a intimidade conjugal se torna menos gratificante. Pornografia mata a bela ternura do afeto. Ela deixa vítimas  solitárias, incapazes de desfrutar de relações normais com seus parceiros. Através de um processo de mais e mais estimulação que leva a de-sensibilização do cérebro e do corpo, a vida do usuário pornô está em risco, com pouca ou nenhuma possibilidade de sustentar um relacionamento íntimo com uma mulher de verdade.

Sexo anal e pornografia

De acordo com Naomi Wolf e com as descobertas da pesquisa do Dr. Komisaruk confirmam que as mulheres têm, pelo menos três centros sexuais: o clitóris, a vagina e um terceiro no colo do útero (ele acrescenta um quarto, nos mamilos). Para muitas mulheres quando ocorre a pressão contra o colo do útero, os orgasmos podem ser mais emotivos. A mulher tem potencial pra ser multiorgástica e pode sentir orgasmos também no sexo anal, mas é preciso refletir o que motiva essa prática e se de fato é um prazer conectado. A maioria das mulheres relata experiência de dor e, na maioria das vezes, consequências de ferimentos advindos da prática do sexo anal. Muitas mulheres o tem praticado sob pressão, para atender as expectativas dos homens que muitas vezes querem repetir cenas de pornografia. A terapeuta Eva Pierrakos chama atenção para algo que nos ajuda muito a trazer consciência: “o que está por trás das minhas fantasias sexuais”? Muitas vezes, as fantasias sexuais refletem padrão de submissão sadomasoquista, dominação, ou, por outro lado, problemas de autoestima e desconexão.  O culto ao sexo anal parece querer naturalizar a submissão, como também a dor e o sofrimento, além de desvalorizar o órgão sexual da mulher por não ser tão “apertado” quanto o anus.

Queremos chamar atenção aqui, não para o sexo anal esporádico numa relação de amor e cumplicidade, feito de forma cuidadosa, (mesmo assim vale fazer as reflexões acima), mas o “culto ao sexo anal” que parece ser outra consequência da pornografia.

Investigadores da London School of Hygiene and Tropical Medicine através de um estudo qualitativo constatou que o sexo anal hetero apareceu como “doloroso, arriscado e coercivo, particularmente para as mulheres” enquanto os homens falaram que costumam coagir as suas parceiras. A pesquisadora Naomi Wolf chama atenção para outro fato grave: que a maior queixa no centro de saúde de uma universidade dos EUA era fissura anal nas alunas que tinha sexo anal por submissão ao desejo dos homens sem estarem preparadas para tal ato. O tema pornografia e o sexo anal abordados nesse artigo dentro desse contexto mais amplo não se referem à um problema moral, mas de um sério problema de saúde pública e de falta de consciência à respeito do tema.

Vergonha e auto-depreciação com o corpo

Outro fator é a crença nas fantasias irreais da necessidade de um corpo perfeito que não tem nada a ver com potência sexual, como por exemplo, de ter pênis grande para o homem ou corpo escultural na mulher. Às vezes, genitais muito grandes chegam a tornar o sexo mais difícil e até machucar a parceira. E na maioria das vezes, a mulher real não se encaixa no padrão do corpo esculturado. Os usuários podem sentir dificuldades com o próprio corpo, uma auto-depreciação e vergonha por não se encaixarem no padrão irreal dos atores da pornografia. Além do que, pode se criar uma vergonha pelo próprio vício de assistir os filmes, com dificuldade de mudar o hábito.

A pornografia cria uma imagem falsa de prazer. Prejudica a visão que as mulheres e homens tem um do outro, concentrando-se apenas na aparência física, sendo que o erotismo vai muito além do corpo físico, ele vem da alma, da energia, das qualidades espirituais que a pessoa emana.

Causas do vício em Pornografia

Na cultura pós-moderna há uma obsessão por produtividade, sucesso e consumo que desfigura a consideração e valoração do corpo humano e das relações, esvaziando a pessoa de humanidade e isso gera dificuldade de se relacionar. Individualismo, isolamento, competição, uso de drogas, vida virtual sobrepondo a vida real. Isso tudo amortece os sentidos e afasta as pessoas. Quando elas buscam se relacionarem há também muita ansiedade, medo de rejeição, dificuldade de interação social por falta de conexão consigo mesma. Daí até o sexo passa a ser também um consumo, não mais uma possibilidade de prazer integral de corpo e alma, de encontro com outro Ser, e com o tempo assistir pornografia se transforma em um vício.

A interação sexual faz parte da vida, é fundamental no desenvolvimento psicológico, mas para isso ocorrer as pessoas precisam ter mais encontros reais. Mas na verdade o mundo virtual está mesmo dominando o cotidiano da maioria, tudo se faz pela internet, inclusive o sexo – o vício pela internet talvez venha antes e precisa ser tratado. Há necessidade de viabilizar mais espaços reais de convivência e de conexão humana.

Em relação aos adolescentes, pesquisadores acham que a falta de educação sexual, em casa ou na escola é uma causa importante também. Como o sexo continua sendo um tabu e um segredo, os adolescentes irão buscar referências sobre sexualidade na internet de forma estereotipada e irreal.

Um outro fator é a falsa moral e a repressão sexual na família autoritária patriarcal. Essa foi uma das questões centrais do pensamento do psiquiatra Wilhelm Reich no intuito de mostrar como a repressão sexual gera uma sociedade violenta. Como a energia sexual é a energia da vida, uma força muito poderosa, ela não pode ser reprimida, então ao tentar reprimi-la, ela vai se expressar de forma distorcida e pervertida. A fixação em uma forma de gozo na perversão pode também ser analisada a partir dos pontos de fixação do desenvolvimento da libido do sujeito. O desenvolvimento da libido se divide em fases (oral, anal, fálica, genital), e os pontos de fixação são os momentos em que esse processo de desenvolvimento pode ser detido sem que ocorra o pleno desenvolvimento da sexualidade. Na perversão, há uma parcialidade do gozo que fica evidenciada pela fixação da libido e o desenvolvimento psicológico fica retido num estágio mais infantil.

Como se tratar

Primeiro reconhecer o problema, é preciso encara-lo de frente e procurar ajuda. Isso pode levar algum tempo se a pessoa não assume que tem esse vício. Depois é preciso fazer abstinência do celular e do computador por alguns dias para ajudar a criar dopamina de outra forma, como por exemplo fazer exercícios físicos, meditação ou algum estilo de arte. Procurar viver a sexualidade de alguma forma através da relação com o outro, em situações presenciais, buscando se conectar e estabelecer algum tipo de vínculo. Cultivar relacionamentos reais e significativas é essencial, pois a masturbação assistindo qualquer filme (mesmo que seja um erótico bom), caso seja feito de forma constante traz apenas um alívio da tensão sexual, mas nunca vai substituir uma troca real de energia e afeto com o outro.

Procurar ajuda de algum tipo de terapia, pois todo vício é uma forma de compensação para não entrar em contato com o mundo interior. Muitos tem o vício pelo trabalho, outros por consumir algo compulsivamente como forma de se desconectar dos sentimentos ou não encarar um problema na vida pessoal. E vale se perguntar o que dispara esse gatilho dentro de você, de querer ver a pornografia mesmo sabendo que está sendo prejudicado? O que está tentando compensar? Todo vício é uma forma de compensação, talvez para evitar sentir alguma dor, ou um vazio ou uma frustração de algo que estamos sentindo necessidade de viver, mas o único caminho para transformação é acolher nossos sentimentos e buscar o autoconhecimento.

O Tantra como uma cura

Tantra pode significar uma cura real, pois une sexualidade, amor e espiritualidade e sempre inclui a meditação que aproxima a pessoa de sua essência. É como estar em sintonia com a natureza interior, trazendo à reverência a mulher e ao homem como seres divinos encarnados. Sempre me lembro quando um aluno nos disse emocionado: “Depois que fiz o workshop de Tantra com vocês perdi todo o interesse pela pornografia, descobri que o sexo é divino. Como foi maravilhoso isso!”. Vários outros participantes nos relataram de outra forma como o Tantra foi um caminho libertador não somente do vício da pornografia, mas de vários condicionamentos na área sexual. Ao elevar o sexo a seu lugar de fato, como algo divino, pois representa a fonte da vida – uma porta nos conduz a supraconsciência. Assim, podemos desfrutar de todo o potencial extático, pois a dinâmica da união das qualidades masculinas e femininas traz profundas implicações para a saúde física, mental e felicidade humana.

É uma oportunidade de ter uma experiência direta de vivenciar como a própria energia pode se mover de forma diferente, muito mais expansiva, após a liberação de alguns bloqueios e como realmente experimentar uma conexão com o sexo e o coração que transforma a maneira de ser relacionar consigo mesmo e com o outro.